28/11/2019|
Por Bruna Ribeiro
Nesta quarta (27), a Fundação Abrinq lançou a última edição da série A Criança e o Adolescente nos ODS – Marco zero dos principais indicadores brasileiros, apresentando uma análise do ODS 10 (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável), sobre a redução da desigualdade.
Durante o evento de lançamento, João Pedro Sholl Cintra, assistente técnico da Fundação Abrinq e responsável pela publicação, disse que o intuito do material é fomentar o debate sobre os principais desafios nacionais para a implementação bem-sucedida da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), que estabelece 17 objetivos e 169 metas para erradicar a pobreza e promover vida digna para todos, até 2030.
O objetivo é construir um diálogo junto ao governo brasileiro e apresentar subsídios às diferentes instâncias internacionais de monitoramento dos ODS com algumas das perspectivas da sociedade civil em relação a esses temas.
Na fala inicial, Cintra apresentou dados sobre saúde, educação, segurança e desigualdade racial – temas posteriormente debatidos por especialistas. Destacou-se o aumento da mortalidade infantil em 2016, após uma série histórica de queda.
Foi também observado que as mães negras têm mais chances de terem bebês com baixo peso. A distribuição proporcional dos nascidos vivos com baixo peso ao nascer é de 36,2% entre as mães brancas e 58,4% entre as mães negras. Além disso, o óbito materno é dez vezes maior entre mães negras.
A desigualdade social determinada pela cor/raça também chamou atenção do especialista. “A diferença de rendimento entre brancos e negros beira a segregação. O acesso à manutenção de meios de vida e à renda é racialmente desigual e recortado. É um fenômeno permanente na história e precisa ser levado em conta na análise da desigualdade.”
Na área de educação, o assistente técnico avaliou que o acesso às creches ainda é um desafio, uma vez que apenas uma em cada cinco crianças estão na creche. As faixas de escolarização também obedecem as faixas de rendimento.
Entre a população com rendimento de mais de cinco salários-mínimos mensais, 55,7% das crianças frequentam e 44,3% não frequentam a creche. Já entre a população com renda de até um quarto de salário mínimo, 85,5% não frequentam a creche, enquanto 85,5% frequentam. Ou seja, o acesso à escola varia de acordo com a renda.
Em relação à violência, o Brasil é quase liderança em taxas de homicídio no continente sul-africano, com 27,9%, ficando atrás apenas da Colômbia, com 62%. No ano de 2015, foram registrados 59 mil óbitos por agressões intencionais no Brasil; aproximadamente um em cada cinco desses homicídios (20%) foram cometidos a jovens com menos de 19 anos de idade.
Nesse contexto, a taxa de homicídios do grupo de crianças e adolescentes participa de mais da metade da taxa referente ao conjunto da população brasileira; relacionando-se o número de óbitos por agressões intencionais à população estimada para aquele ano, os resultados das taxas de homicídios do conjunto da população é de 28,5 óbitos para cada 100 mil habitantes e de 16,2 para o grupo de menores de 19 anos.
O estudo ainda revela que o risco de homicídios de crianças e adolescentes com menos de 19 anos é 3,3 vezes maior para negros no Brasil. Na região Norte, o número salta para 4,4 e no Nordeste, o risco de homicídios para os jovens negros é 5,2 vezes maior.
O número é menor na região Sul (1,4%), mas ainda assim é expressivo, uma vez que a região é até agora a única a ter influência de sua composição demográfica nas disparidades de óbitos por homicídios, ainda apresentando risco relativo de mortes por armas de fogo mais elevado para negros.
Saúde
Logo após a apresentação do relatório, Maria Auxiliadora Oliveira, professora e pesquisadora da Fiocruz, falou sobre o direito à saúde. Ela lamentou o aumento da mortalidade infantil em 2016 e disse que os recentes dados de 2017 revelam uma estagnação no número.
“No Brasil, temos 13 mortes para cada mil bebês. No Hemisfério Norte e na Ásia, há países com metade disso. No Hemisfério Sul, o número é menor que dez. Se o sistema de saúde piora e a renda cai, é difícil o indicador não ser atingido. Mas o que aconteceu foi que um número que caiu por décadas de repente começou a subir e agora estagnou. Como vamos explicar isso?”, questionou.
A especialista também ressaltou a pior dos índices quando é considerada a desigualdade entre raça/cor. “Entendemos que o acesso à saúde é o princípio da universalização do direito à saúde e é dever do estado – não escolha individual das pessoas”, declarou.
Educação
Thaiane Pereira, coordenadora de projetos do Todos pela Educação, iniciou a fala destacando a importância da educação na redução das desigualdades. “Investimos muito tarde em educação e temos um passivo sociocultural. Por isso precisamos ter como objetivo o acesso, a permanência e o aprendizado”, disse.
Segundo Thaiane, o Ensino Médio ainda é um desafio. Entre os jovens de 15 a 17 anos, se considerarmos os 25% mais pobres da população, apenas 88,7% têm acesso à escola. Entre os 25% mais ricos, o número salta para 98,4% – ou seja, 9,7 pontos acima.
“Quando analisamos a renda, notamos quase 10 pontos de diferença de acesso à escola entre a população mais rica e mais pobre. Se a educação é obrigatória até 17 anos, deveria ser universalizada. Quanto pior o nível socioeconômico, pior é o acesso e também a aprendizagem”, disse Thaiane.
Racismo
Aproveitando o gancho da educação, Daniel Teixeira, diretor de projetos do CEERT, falou sobre a importância da educação antirracista nas escolas. “O que vamos fazer com todos esses dados? É impossível discutir desigualdade sem falar em racismo. Precisamos lembrar que de cada dez dias, sete foram sob escravismo. A população negra não tem sua perspectiva considerada. Quantas vezes estudamos a história dos países negros na escola?”, questionou.
Teixeira também relacionou a evasão escolar com outras violações, como trabalho infantil e altas taxas de homicídio entre os negros. “Quem é menor e quem é adolescente? Se é natural uma criança negra estar abandonada no farol, também é natural ser morta quando chegar à juventude. É uma mera consequência.”
Segurança
Sobre violência, Felippe Angeli, coordenador de Advocacy do Instituto Sou da Paz, chamou a política de segurança de política de abate. “Precisamos nos lembrar que 30 crianças são mortas por dia no Brasil. Na faixa dos 15 aos 30 anos, a morte pela polícia é maior do que pela criminalidade. O maior perigo hoje no Brasil é o Estado”, declarou.
A respeito da violência no Rio de Janeiro, Angeli disse que a violência impacta diretamente no direito à educação. Segundo ele, as crianças do Complexo da Maré perdem 2,5 anos de estudo, do total de 14 obrigatórios, por causa da violência, sem contar os traumas vividos.
Conclusão
Entre tantas observações, o relatório concluiu que as desigualdades se tornam visíveis, quando se observa que a pobreza atinge majoritariamente a população negra. Além disso, o acesso à escola e a qualidade do ensino são garantidos às parcelas mais ricas da população e que a violência homicida se dirige principalmente aos negros.
Tais violações são também causas e consequências do trabalho infantil. De acordo com a publicação, a concentração ou a privação de oportunidades se dá desde muito cedo, de maneira que o alcance do ODS 10 está principalmente atrelado à garantia e ao equilíbrio das oportunidades para as crianças e os adolescentes no país.