17/07/2020|
Por Bruna Ribeiro
Com o isolamento social causado pela pandemia do coronavírus e o fechamento das escolas, o risco do trabalho infantil doméstico aumenta, na opinião de Sara Regina de Oliveira, gerente de projetos da Plan International, na Bahia. Em entrevista à Rede Peteca, Sara disse que as famílias buscam outras formas de conseguir dinheiro, quando aumenta o desemprego.
“Não temos dados oficiais, mas temos diversos relatos. Já estamos nos reunindo com as secretarias de educação para alertar que a pandemia deve gerar evasão escolar das meninas. É grande a probabilidade de ficarem em casa cuidando dos irmãos para os pais procurarem emprego ou trabalharem para outras pessoas em troca de dinheiro ou até mesmo de comida”, disse a gerente.
Além disso, na opinião da especialista, a naturalização do trabalho infantil faz com que a sociedade não o entenda como um problema e muitas vezes confunda tarefas domésticas educativas com o trabalho infantil doméstico. A defesa do trabalho infantil, no entanto, geralmente tem cor e classe social.
Em vulnerabilidade social, 94% das vítimas são meninas e 73% são negras – no Brasil, há 2,4 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos em situação de trabalho infantil, sendo 65% meninos – proporção que se inverte totalmente quando se fala em trabalho infantil doméstico e exploração sexual. Mesmo no caso das tarefas domésticas educativas, são as meninas quem mais realizam a atividade – o que propõe um urgente debate sobre gênero.
Confira trechos da entrevista:
Há risco de aumento do trabalho infantil doméstico durante a pandemia?
Sara Regina de Oliveira: Sim. Quando cai a renda das famílias, com o aumento do desemprego, elas encontram outras formas de conseguir dinheiro. O que agrava a situação é que o trabalho infantil doméstico é a difícil identificação, fiscalização e denúncia, pois fica dentro de casa.
Não temos dados oficiais sobre o aumento durante o isolamento, mas temos diversos relatos. Já estamos nos reunindo com as secretarias de educação para alertar que a pandemia deve gerar evasão escolar das meninas. É grande a probabilidade de ficarem em casa cuidando dos irmãos para os pais procurarem emprego ou trabalharem para outras pessoas em troca de dinheiro ou até mesmo de comida.
Qual é a diferença entre trabalho infantil e tarefas domésticas?
Sara Regina de Oliveira: As tarefas domésticas são atividades educativas, de colaboração e nós apoiamos. É necessário ter responsabilidade dentro de casa, mas é importante ressaltar também que é preciso garantir a equidade de gênero. As atividades domésticas não são de responsabilidade apenas das meninas e das mães.
A pesquisa Por Ser Menina no Brasil, produzida pela Plan International, revela que meninas são as que mais participam das tarefas domésticas. Enquanto 81,4% arrumam a cama, apenas 11,6% dos meninos realizam essa atividade. Por outro lado, em relação aos empregos formais fora de casa, os adolescentes e jovens do sexo masculino são os que mais saem – o equivalente a 12,5% de meninos, contra 4,3% de meninas.
Por isso sempre dizemos que as tarefas domésticas têm caráter educativo, quando não atrapalha os estudos ou outras atividades. Também não pode haver punições ou chantagens, caso não seja realizado. Deve ser realizado de forma saudável e igualitária para meninas e meninos.
Já o trabalho infantil doméstico pode ocorrer em três contextos: dentro da própria casa, na casa de terceiros de forma remunerada ou na casa de terceiros sem remuneração. Algumas pessoas acreditam que se não há pagamento, não é trabalho infantil doméstico, mas isso não é verdade. Nem sempre vai estar clara a relação entre patrão e empregada. O que ocorre é a responsabilização pelo trabalho.
É comum meninas em vulnerabilidade social serem chamadas para morarem em casas de famílias com maior poder aquisitivo, em troca de comida e pouca ajuda. O trabalho não acaba nunca e, com a carga horária excessiva, normalmente elas não conseguem se manter na escola ou ficam muito cansadas.
De toda forma, assim como no caso das tarefas domésticas, o trabalho infantil doméstico também atinge principalmente meninas, representando 94% do total, sendo 73% negras. Os 6% de meninos geralmente trabalham em funções como caseiro, limpador de piscina ou jardineiro.
E quais são as consequências desse tipo de trabalho?
Sara Regina de Oliveira: Há muitas consequências físicas, intelectuais e psicológicas. As meninas que trabalham em casas de terceiros, por exemplo, geralmente acumulam a função com o trabalho doméstico da casa da própria família. A dupla jornada passa a ser tripla, quando elas estudam. E por esse motivo, a evasão escolar é uma das consequências.
Além disso, há riscos de abuso e exploração sexual. Há patrões (maridos, filhos e amigos), que acham que as meninas estão ali para servi-los de todas as maneiras. Quando a menina é abusada pelo patrão, sendo chantageada em relação ao emprego e sofrendo inclusive tortura psicológica, a gente tipifica como exploração sexual (conhecida como prostituição infantil pela sociedade, mas o termo é equivocado, pois não se trata de uma escolha. A menina, em condição peculiar de desenvolvimento, não pode tomar essa decisão de forma madura e é uma vítima).
O pior de tudo é que quando as patroas descobrem, muitas vezes elas ficam a favor do homem. O mesmo acontece com as famílias das garotas e a sociedade de forma geral, a partir de culpabilização da vítima, motivada pela cultura machista. O trabalho infantil doméstico vulnerabiliza muito as meninas em relação à violência sexual de todos os tipos e é causa de muitas outras violações de direitos, como evasão escolar, casamento infantil e gravidez precoce..