Escola Municipal Embaixador Barros Hurtado trabalha educação antirracista de forma transversal

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28/06/2023|

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A sala de aula se torna palco para debate antirracista em diversas disciplinas 

Quando entrou para lecionar Língua Portuguesa na Escola Municipal Embaixador Barros Hurtado, em Cordovil, a professora Mônica Aniceto Barros já havia o hábito de introduzir em suas aulas o debate antirracista. A docente explica que o fato de ela, como mulher negra, estar à frente de uma sala de aula já é um indicativo dos avanços conquistados pelo Movimento Negro. “A minha pessoa traz o debate e o recorte racial. Sou da primeira turma de cotistas da UERJ [Universidade Estadual do Rio de Janeiro], quando ainda nem existia o programa de cotas como é hoje, lá em 2003”, explica a professora. Outro avanço é o projeto permanente de Educação Antirracista que a professora implementou na instituição em que leciona.

A iniciativa começou pelas aulas de Língua Portuguesa e Produção de Texto, pelas quais é responsável, mas se consolidou como uma ação transdisciplinar, envolvendo, inclusive, matérias como Ciências, História e Matemática.

Antes, a profissional trabalhava em uma escola do Estado do Rio de Janeiro, na qual já rascunhava este projeto permanente, que hoje é característico da Embaixador, com alunos do Ensino Médio. Atualmente, o projeto é feito com alunos do Ensino Fundamental II, do sexto ao nono ano. Para a educadora, o desafio é menor com o Ensino Médio, porque, na avaliação dela, os estudantes já chegavam com um repertório mais consolidado, porém, com as turmas do Ensino Fundamental II, percebia ser mais produtivo e trazer mais resultados.

Seminário inaugura debate sobre Educação Antirracista com estudantes

Crédito: Mônica Barros

“Durante uma aula, eu estava mostrando uma foto do livro didático sobre um dos filmes que estávamos trabalhando em sala de aula. Não estávamos debatendo assuntos raciais, apenas falando sobre o filme. Uma aluna levantou a mão e falou: ‘Nossa, professora, são todas brancas.’ Era uma turma de oitavo ano.”, exemplificou Mônica, mostrando-se surpresa pela observação da estudante que, muitas vezes, passa despercebido por muitos adultos. Com isso, iniciou-se um diálogo sobre o papel da mulher negra na sociedade.

Além dos momentos de reflexão em sala de aula, o maior projeto de Língua Portuguesa para letramento racial são os seminários. Tendo como objetivo final orientar os alunos a construir um texto dissertativo argumentativo na oralidade, os seminários possuem um tema geral e cada grupo prepara uma apresentação a respeito. A temática de 2023 é Feminismo, e os alunos serão orientados a ler livros de autoras como Conceição Evaristo e Carolina Maria de Jesus. 

Na prática!

Em uma aula de Língua Portuguesa e com o objetivo de explicar estratégias argumentativas, a professora utilizou o samba enredo da escola Imperatriz Leopoldinense  “Liberdade Liberdade, Abra as Asas Sobre Nós!”, de 1989. Com o auxílio de um projetor, pediu para que os estudantes acompanhassem a leitura.

Ao final do enredo, conversou sobre as palavras que marcam fatos ou opiniões. Finalizando a explicação sobre adjetivação como marca de opinião, pediu para que os alunos identificassem esses adjetivos no texto.

Colocando no quadro as estratégias argumentativas, deu maior ênfase na explicação da Alusão Histórica, trabalhando o fato de o samba enredo tratar do dia 13 de maio, Abolição da Escravatura, dia no qual esta atividade foi iniciada.

Confira a sequência didática completa feita pela professora Mônica Aniceto Barros aqui!

No ano passado, em que o assunto era o Mito da Democracia Racial, um grupo trouxe questões sobre padrões de beleza e a mãe de uma das alunas participou como argumento de autoridade. A mãe, que é cabeleireira, trouxe dados sobre como o alisamento por escova estava ligado ao aumento de casos de câncer de pulmão em mulheres. Outros convidados foram a colunista Flávia Oliveira, que possui o auditório da escola nomeado em sua homenagem, e a advogada e psicóloga, Dona Conceição de Lissá. 

A professora Mônica Barros afirmar fazer parte da Rede de Professores Antirracistas. Foi nela que compreendeu que já realizava esse trabalho de letramento racial e educação antirracista mesmo sem intenção. “Foi nessa rede que tive minha prática validada. O que eu fazia em sala de aula passou de ser intuitivo para ter um escopo”, afirma Barros.

Transdisciplinariedade na Embaixador

Em outras disciplinas, há abordagens diferentes para o projeto, mas com os mesmos objetivos e de forma transdisciplinar. Nas aulas de Matemática, o projeto Afroetnomatemática é instituído. Com a finalidade de mostrar como os saberes matemáticos não são exclusivos dos povos europeus,  a iniciativa aborda a disciplina com jogos, danças, música e arquitetura. Dessa forma, estimula o raciocínio lógico e o viés cultural da matéria.

Já durante as aulas de Ciências, há a Horta Escolar, que tem por objetivo discutir o ato do plantio de forma aprofundada, utilizando a influência que as culturas indígenas e africanas têm na alimentação brasileira. “Fizemos uma aula sobre a cana-de-açúcar e os povos originários, um piquenique com alimentos à base de milho e mandioca, e sobre a alimentação destes povos [de origem africana e indígenas] e a influência na nossa culinária”, explicou a docente Clarissa Raso, professora de Ciências na Embaixador.

Horta da escola também é ferramenta para pautar Educação Antirracista

Crédito: Clarissa Raso

A convite do professor Luiz Henrique de Melo Rosa, da Escola Municipal Herbert Moses, a docente começou um trabalho similar ao projeto do profissional, utilizando uma parte do canteiro para apadrinhar um país africano e se aprofundar mais nas práticas agrícolas daquele local. Este ano, o país escolhido foi o Congo. “Nossos próximos passos são construir um canteiro-barco representando o nosso país apadrinhado, a bandeira e conhecer um pouco do país, da sua cultura e costumes”, comenta Rasso.

Também  é trabalhado com os alunos uma sensibilização quanto ao sofrimento dos negros escravizados durante sua trajetória nos navios negreiros. A profissional utiliza do tempo que as plantas demoram para crescer a fim de materializar e tornar mais tangível o sofrimento das pessoas escravizadas passavam presas dentro das embarcações. Além disso, em sala de aula são feitas discussões a partir de materiais culturais, como filmes. No primeiro bimestre, foi trabalhado com as turmas do 8º ano o filme Estrelas Além do Tempo, abordando discussões como segregação racial dos anos 60 e o protagonismo feminino na Ciência.

Não é somente nas disciplinas curriculares que o Projeto Permanente de Educação Antirracista está presente. A Sala de Leitura da Embaixador possui um acervo crescente de livros e autores afro-brasileiros. Com o apoio da professora Cristiane Pereira Borges, os alunos utilizam a sala para realizar a pesquisa de trabalhos para as disciplinas. “Através das sugestões de autoras e autores que lhes trazem uma outra perspectiva da história e da cultura brasileira, os estudantes tornam-se sujeitos pesquisadores conscientes sobre as desigualdades sociorraciais que permeiam a sociedade brasileira e o mundo, além de se tornarem sujeitos transformadores das suas próprias histórias.”, explica Cristiane.

Mudança e Apoio

De acordo com Mônica, é notável o apoio da comunidade de pais e responsáveis e a dedicação dos profissionais da Embaixador. Segundo a professora, quando a gestão da escola mudou, em 2018, surgiu a necessidade de investir no conceito de Gestão Democrática. “Até então, a Embaixador tinha pouca credibilidade na comunidade. Agora, com as mudanças, é a segunda melhor escola da região”, assegura. 

A Gestão Democrática parte da iniciativa de participação de vários segmentos da sociedade nas decisões da gestão escolar. Endossada legalmente pela Constituição Federal e a Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), uma escola com Gestão Democrática escuta as demandas dos estudantes, famílias, professores e outros funcionários para a tomada de decisões que variam desde o operacional, como a compra de um ventilador, até o Projeto Político Pedagógico (PPP).

Além de incentivar a participação democrática, a iniciativa ensina, na prática, sobre protagonismo político e papéis democráticos para alunos desde o Ensino Fundamental.
Na Embaixador, há o Conselho Escola Comunidade (CEC). Formado por funcionários, professores, pais, estudantes e comunidade, o Conselho opera, junto à equipe gestora, nas decisões e gestão de verbas, de acordo com a Diretora Carla Brandão. Além disso, há o Grêmio Estudantil, que atua junto aos alunos nas organizações das atividades.

Colocando as diferenças socioculturais, as questões étnico-raciais, fortalecendo as identidades e desfazendo estereótipos, foi-se criando um novo currículo que fortalece a confiança da escola enquanto ajuda a construir a autoestima e a identidade dos alunos. “O trabalho só é possível porque a equipe gestora comandada pela diretora Carla Brandão entende o Projeto Antirracista como prática cotidiana, e não somente em datas específicas”, explica a professora.

No momento atual, a comunidade escolar está em concordância com os projetos da escola. Mônica expôs momentos nos quais conversou com pais e responsáveis, que se mostraram interessados no conteúdo trabalhado na Embaixador, querendo, inclusive, participar dos seminários. “Não podemos deixar porque o auditório ainda não comporta tantas pessoas. E, se abrir exceção para um pai, tem que abrir para todos”, afirma.

Visão de Futuro

 A educadora explica que os estudantes da Embaixador saem de lá com grandes expectativas de futuro, muitos inclusive entram em contato para falar como e onde estão. 

A educação diferenciada da escola, na visão da docente, permite que seus alunos sonhem com realidades diferentes das que vivenciam. “As crianças querem ir para o Cefet [Centro Federal de Educação Tecnológica], para o IFRJ [Instituto Federal do Rio de Janeiro]. Uma criança não pode passar pela Embaixador e sair igual.” Citando bell hooks, autora e ativista antirracista estadunidense, a professora define que a escola “é um jardim de possibilidades”, e é assim que vê a Embaixador e seu projeto permanente de educação antirracista.

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