30/11/2017|
Texto originalmente publicado no MPT-SP
Medida do prefeito João Dória pode contribuir para aumento do trabalho infantil. Caso não atenda a recomendação, a prefeitura poderá ser acionada judicialmente
A notícia de que a gestão do prefeito da capital paulista, João Doria, decidiu encerrar o atendimento em período integral de escolas de ensino infantil – crianças de 4 e 5 anos – motivou o Ministério Público do Trabalho em São Paulo a exigir que a prefeitura suspenda a medida por considerar que esta trará repercussão negativa para a qualidade da educação e contribuirá para a inserção precoce de crianças e adolescentes no mercado de trabalho.
A Educação em Tempo Integral é uma estratégia nacional de enfrentamento ao trabalho infantil, prevista no Plano Nacional de Prevenção e Enfrentamento do Trabalho Infantil e adotada expressamente pelo Município de São Paulo, através da aprovação dos Planos Municipal de Educação e Plano Municipal de Prevenção e Erradicação do Enfrentamento do Trabalho Infantil, nos anos 2015 e 2016, elaborado com a participação de diferentes atores do sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente e com a sociedade.
As crianças que estão fora da escola, no contraturno escolar, estão sujeitas ao trabalho nas ruas ou em outras atividades, e também vulneráveis ao trabalho doméstico na própria família“, explica a procuradora Elisiane Santos, que subscreve a notificação.
“Há muitas mães que trabalham durante todo o dia e se não tiverem escola integral assegurada às crianças de mais tenra idade, terminam por prejudicar o desenvolvimento saudável dos próprios filhos, transferindo a responsabilidade pelas atividades domésticas aos maiores, em sua maioria meninas. A população negra é a mais atingida com essa situação, uma vez que 93% do trabalho infantil doméstico é realizado por meninas negras, conforme estudo do FNPETI”, complementa.
Detalhes da notificação
O município responde ao inquérito civil 2916/2013, que investiga a efetivação de políticas públicas para o enfrentamento do trabalho infantil nas ruas. Para a procuradora, “a medida contraria frontalmente as ações indicadas para a prevenção e erradicação do trabalho infantil, que sinaliza inclusive tendência de agravamento, com a redução de orçamento para políticas na área de cultura e educação”.
A notificação, protocolada no dia 18/11, exige ainda que a prefeitura efetive o Programa São Paulo Integral, ampliando as vagas da educação integral previstas para o ano 2018, assim como o tempo de permanência dos alunos na escola (as Unidades Educacionais de Ensino Fundamental cumprirão carga horária mínima de oito horas-aula diárias durante todo o período de efetivo trabalho educacional, Art. 10, PORTARIA Nº 5.956/2016), e cumpra especialmente as metas do Plano Municipal de Educação que tratam da ampliação do investimento público em educação em 33% da receita resultante de impostos; da universalização da Educação Infantil para crianças de quatro e cinco anos de idade e da garantia de atendimento para 75% das crianças de zero a três anos e 11 meses ou 100% da demanda registrada; e oferecer educação integral em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas.
Considerando que a educação é direito fundamental da criança e do adolescente e obrigação do Poder Público assegurar educação de qualidade, com vistas inclusive à redução e gradativa eliminação do trabalho infantil no Município de São Paulo, notificamos o Município a abster-se de suspender turnos integrais em escolas ou creches, e, ainda, no prazo de 45 dias, apresentar plano de ampliação da educação integral no Município de São Paulo, nos próximos cinco anos, em atendimento às metas traçadas nos Planos Municipais de Educação e Plano de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, aprovados pela sociedade, que constituem as metas e diretrizes da política pública municipal de educação e de enfrentamento ao trabalho infantil. Trata-se de direito fundamental assegurado às crianças, adolescentes e suas famílias, que não lhes pode ser retirado ”, explica a procuradora.
O descumprimento da recomendação poderá caracterizar inobservância de norma de ordem pública, cabendo ao MPT instaurar procedimento investigatório, firmar termo de compromisso de ajustamento de conduta, ou propor a ação judicial cabível, visando à defesa da ordem jurídica e de interesses sociais e individuais indisponíveis, bem como à reparação de danos genéricos causados pela conduta ilícita.