12/07/2017|
Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo/ E com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo.” Assim como retratada na letra da música de Toquinho, “Aquarela”, a arte é uma importante forma de expressão. É possível dar vida a muitas formas, sonhos e sentimentos, utilizando apenas cores e uma folha de papel.
Edson Pelicer, ilustrador, coordenador regional de arte-educadores do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária) e ex-arte-educador da Fundação Casa, se recorda com muito carinho do exato momento em que teve o primeiro contato com esse universo. “Antes de aprender a ler, já ficava olhando os quadrinhos e admirando todas aquelas imagens coloridas”, relembra. Desse encontro surgiria uma vocação de grande a importância social: a de ser desenhista, comunicando as leis de proteção da criança e do adolescente de maneira simples, divertida e acessível.
Em 2001, quando passou a se envolver diretamente com essa temática no Projeto Travessia, Pelicer criou seu primeiro grande personagem, o Descolado. “O personagem Descolado surgiu quando entrei no Travessia. Ele foi para um jornalzinho, apareceu em uma charge sobre redução da maioridade penal.”
Mas foi em 2007, ao participar de um edital do Fumcad (Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente), que ele recebeu apoio para lançar quatro volumes do Descolado. Dessa vez, o objetivo era focar no Estatuto da Criança e do Adolescente, que comemora 27 anos no dia 13 de julho.
O Estatuto é uma importante ferramenta para reforçar os direitos e deveres dos jovens e das crianças. Criado em 1990, ele apresenta pontos importantes e que têm como princípio garantir a proteção integral e o pleno desenvolvimento da infância e adolescência. “A ideia de lançar o ECA em gibi surgiu para esclarecer as leis existentes nele e também para tornar a leitura interessante. A lei, no geral, é chata de entender, então se você quer levar ela para mais pessoas, você precisa traduzir aquilo para uma linguagem mais dinâmica”, explica Pelicer.
Divido em quatro edições, o primeiro volume aborda o estatuto com base no artigo 4º, seguido dos temas educação, redução da maioridade penal e exploração sexual.
Edson conta que o mais interessante em ilustrar o ECA foi observar como ele passou a chegar até as pessoas. “Tivemos uma boa tiragem na época. Ao todo, foram 200 mil exemplares. A distribuição era gratuita e feita para escolas, conselheiros tutelares e instituições que trabalhavam com o tema. Muitas pessoas me procuram até hoje pedindo por eles.”
Atualmente, a distribuição não é mais realizada, isso porque, de acordo com Pelicer, não existe ninguém para investir no projeto no momento. “Eu queria muito continuar com o Descolado. Pensei até em fazer volumes com novos temas. Mas, infelizmente, não tem investimento.”
O ECA e a Fundação Casa
Edson, que atuou por quase oito anos como arte-educador na Fundação Casa (responsável por adolescentes em conflito com a lei no estado de São Paulo), também teve a oportunidade de levar o gibi até os meninos internados. Para ele, infelizmente, o Estatuto está, de certa forma, desacreditado por esses garotos. “Eles têm uma visão diferente do ECA. Quando eu levava o Descolado, eles se interessavam mais pelas cores, pelos desenhos”, conta.
De acordo com o ilustrador, a descrença no estatuto existe porque tudo o que está escrito lá não é colocado em prática. “Os meninos já passam por uma série de violações de direitos antes mesmo de entrar na fundação. Eles não possuem acesso à educação de qualidade, moradia, a família passa por problemas. Eles ficam desacreditados mesmo. Por isso temos a função de reinseri-los socialmente, fazer com que eles acreditem neles mesmos”, explica.
Mesmo com vários fatores jogando contra o adolescente, Edson lembra que também há histórias de superação. “Sabemos que alguns meninos saem da fundação e vão para as ruas, e, infelizmente, voltam para o mundo do crime. Mas, ainda assim, conheço muitos garotos que se inseriram no mercado de trabalho, estão bem hoje e escreveram uma nova história.”
Trabalho infantil e oportunidades
Ao falar sobre a rotina dentro da fundação, o ilustrador também toca em outro ponto muito importante: o trabalho infantil. “Muitos dos garotos que hoje estão lá dentro, já serviram de mão de obra barata ou já estiveram na condição de pedintes, situação que acaba por tirar a esperança de um futuro melhor.”
Para ele, se fossem oferecidas oportunidades e assistência aos meninos, muitas vidas seriam salvas. E isso inclui oferecer o direito à cultura dentro das escolas e espaços públicos.
“Na minha opinião, a arte tem um grande peso, socialmente falando. Se um menino tem contato com o universo artístico, ele pode vir a se interessar por novas atividades, o que pode levar para outro caminho, entende? É essencial lembrar da arte e da cultura na hora de se pensar em políticas para os jovens. Eles precisam saber que existem oportunidades, que tem muita coisa bacana para fazer na vida.”