05/12/2017|
Publicado originalmente no site do Ministério Público do Trabalho
O Ministério Público do Trabalho (MPT) solicitou ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) esclarecimentos sobre as mudanças implementadas na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) divulgada este ano. Em ofício assinado pelo procurador-geral do Trabalho (PGT), Ronaldo Fleury, a instituição questionou a motivação das modificações mais preocupantes na metodologia, capazes de distorcerem os resultados e tornarem a atual pesquisa impassível de comparação com edições anteriores.
Um dos pontos questionados foi a razão de não estarem mais computados como trabalho infantil os fatos enquadrados como “produção para próprio consumo” e “construção para próprio uso”. De acordo com a procuradora do Trabalho e coordenadora nacional da Coordinfância (Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente), Patrícia Sanfelici, essa mudança levanta questionamentos e precisa ser esclarecida. “Crianças e adolescentes que trabalham para o próprio consumo também estão em situação de trabalho infantil, elas são as mais vulneráveis. São crianças e adolescentes que estão trabalhando para sobreviver, então como isso não vai ser considerado trabalho infantil? O que é considerado isso?”, questiona a coordenadora, que também assina o ofício conjuntamente com Fleury.
O procurador-geral também questiona, no documento, a motivação para “afazeres domésticos” não estarem enquadrados como trabalho infantil. Para Sanfelici, isso exclui um enorme quantitativo de crianças do cálculo de incidência de trabalho infantil. “Por exemplo, se a gente considerar crianças que estão em afazeres domésticos, a PNAD identifica isso. Identifica mais de 20 milhões de crianças em situação de afazeres domésticos, só que não considera isso como trabalho infantil. Então está ponderado na pesquisa, mas não está enquadrado como trabalho infantil”, levanta a procuradora.
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O ofício contesta também os resultados gerais da pesquisa em si, segundo os quais o número de crianças trabalhando seria de cerca de 998 mil em 2016, ou seja, menos de metade do registrado em 2015 – 2,6 milhões. Segundo o documento do PGT enviado ao IBGE “é de se concluir que a metodologia utilizada para aferir os dados de trabalho infantil no Brasil deixou de considerar parte expressiva das crianças e adolescentes que efetivamente estão trabalhando, mormente nas piores formas de trabalho infantil”.
Para a coordenadora de Coordinfância, o número de 1 milhão de crianças envolvidas em trabalho infantil não é verdadeiro. “O número de crianças que se encontra nesse tipo de situação é muito maior. Por exemplo, crianças em situação de afazeres domésticos alcançam um número de 20 milhões. A própria pesquisa aponta isso”, afirma Sanfelici. Ela afirma que não houve de fato redução. “É necessário que as mudanças sejam esclarecidas. Se a explicação tivesse sido feita junto com os novos números, se evitaria a conclusão equivocada de que houve a redução de 1 milhão de crianças em situação de trabalho infantil, quando isso não aconteceu”, declara a procuradora.
O documento reforça esta posição: “por que razão, na divulgação dos dados, não restou clara e explícita a mudança metodológica aplicada, informação esta fundamental para evitar que a opinião pública incida em erro, comparando pesquisas que não mais contêm relação de pertinência entre si?”. E conclui: “de que modo o IBGE pretende vir a público prestar estes esclarecimentos a fim de evitar que a divulgação dos dados possa ser enquadrada como efetivo mascaramento da realidade vivenciada no Brasil, relativamente ao trabalho proibido de crianças e adolescentes?”.
Anos anteriores
O PGT também enfatiza no ofício que esta mudança inviabiliza a comparação da pesquisa com as dos anos anteriores. Segundo o documento, “houve uma mudança metodológica na PNAD 2016, relativamente à série histórica construída entre 1992 e 2015, o que não permite mais comparação entre pesquisas”.
Sanfelici considera esse um dos grandes problemas das mudanças na metodologia. Por exemplo, uma mudança importante foi no conceito de população economicamente ativa. “Até a pesquisa anterior, se considerava no âmbito da população economicamente ativa todos com mais de 10 anos que trabalhavam. Agora, é a partir dos 14 anos que se considera dentro da população economicamente. O que isso significa? Que essas pesquisas não são mais comparáveis. A gente não pode pegar a PNAD anterior, comparar com a PNAD atual e dizer ‘o trabalho infantil teve uma queda de x%’”, pontua.
A procuradora explica que o extenso registro histórico já existente terá que ser estudado novamente para se adequar dentro dessa nova série histórica. “Há uma mudança no conceito, isso problematiza a análise dos dados, então esse é um problema porque torna mais difícil a ponderação desses dados. Antes era simplesmente pegar uma pesquisa anterior e fazer a comparação, hoje já não mais. A gente vai ter que depurar esses dados para poder chegar a conclusões a partir deles”, esclarece. “É uma modificação, toda modificação exige um esforço maior, então isso é o que vai ter que ser feito agora. É importante que se registre isso para que não fique uma impressão equivocada de que aconteceu uma diminuição que de fato não aconteceu”, completa Sanfelici.