Os desafios do combate ao trabalho infantil entre os municípios

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16/01/2023|

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Comissão Intermunicipal é criada com cidades da linha de trem Rubi em São Paulo para promover a articulação e ações conjuntas entre os municípios 

A Linha -7 Rubi da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) é considerada a mais longa em extensão do São Paulo. Diariamente milhares de pessoas circulam pelas estações, que ligam a capital paulista, de Rio Grande da Serra até a cidade de Jundiaí.

Dentre os passageiros é comum encontrar crianças e jovens sozinhas, que vão de um município a outro em situação de trabalho infantil. O Decreto nº 15.012 permite a crianças andarem sozinhas nos transportes públicos, a partir dos 7 anos, para poderem frequentar a escola.

Quando uma criança é abordada pela equipe de assistência social, muitas vezes está longe de casa. Nesse sentido, o combate ao trabalho infantil entre os municípios se torna uma questão, já que a responsabilidade de cada órgão não é bem estabelecida.  

Foi visando solucionar esse problema que, em 2018, foi criada uma Comissão Intermunicipal de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, com um grupo de sete municípios que fazem parte da linha Rubi: São Paulo, Caieiras, Franco da Rocha, Francisco Morato, Campo Limpo Paulista, Várzea Paulista e Jundiaí. 

“Começamos a perceber um aumento no número de crianças pedindo e vendendo coisas no trem. Então, tivemos a ideia de reunir as cidades em volta da linha Rubi. É perceptível que a criança acaba realizando o trabalho infantil fora de sua cidade e o trem facilita isso, porque é muito barato e pode dar acesso a outros municipios com muita mais recursos”, explica a Helena Lucchino, idealizadora do grupo. 

Atualmente, ela coordena um CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) na rede de Proteção Básica da Secretaria de Assistência Social em Franco da Rocha (SAS) e também é participante do Conselho Municipal de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil.

Como funciona a Comissão

As reuniões periódicas contam com apoio da coordenação estadual do PETI e representantes dos municípios, a partir de órgãos como Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), Conselheiros Tutelares, Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS). Normalmente, as equipes da assistência social de todos municípios estão presentes, mas a representação dos órgãos varia de município para município.

Um dos principais objetivos é pensar em uma estratégia para desenhar o fluxo de atuação quando uma criança é abordada. “A gente já se reuniu várias vezes em volta desse tema e só o fato da gente falar a respeito aumentou a proximidade e os contatos. E como ainda era incerto quem fazia o que, começamos a decidir sobre isso”, conta.

Pensando em organizar a questão, o grupo construiu um esboço, pautado no artigo 147 do ECA, que diz que, na ausência dos pais ou responsáveis, a competência será determinada pelo local onde a criança ou adolescente foi encontrado.

“Entendemos que a responsabilidade da primeira proteção da criança em violação de direito tem que ser do município onde essa violação está acontecendo. Então, a cidade onde ela foi encontrada vai se organizar para levar essa criança ao CREAS para que o órgão faça essa mobilização e se responsabilize por encontrar a família”, complementa.

Nesse sentido, a proposta da comissão é que a equipe de abordagem entre em contato com o CREAS do lugar em questão. Depois, esse CREAS vai entrar em contato com o CREAS do município de origem da criança e este último irá fazer a articulação para encontrar a família e acionar os serviços de prevenção. 

Outro fluxo alinhado é a responsabilidade de providenciar o transporte para o retorno da criança, que deverá ser do município onde ela foi encontrada.“Normalmente, as cidades maiores são as que mais atraem crianças e adolescentes, por terem mais recursos. Então o órgão de abordagem os leva de volta para a cidade de origem”, explica a coordenadora.

Articulações para cada desafio

Quando novos entraves aparecem, mais articulações são necessárias, como quando a criança é encontrada aos finais de semana ou em algum horário da noite em que o CREAS esteja fechado.

“Nesse caso, o Conselho Tutelar poderia abrigar a criança de forma emergencial. Porém, isso envolve uma conversa maior com os  Serviços de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes (SAICAs) dos municípios e os juízes da Vara da Infância para que não se reverta em um acolhimento e sim em uma emergência”, relata.

Segundo Helena, tanto as Diretorias Regionais de Assistência e Desenvolvimento Social – DRADS, quanto a Secretaria Estadual se comprometeram a colaborar para colocar esse fluxo em prática.

Edson Silva, coordenador na Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo (SEDS), reforça a atuação do órgão nessas articulações entre os municípios para identificação da situação, estabelecimento de protocolos e fluxos entre as gestões municipais e os serviços.

Segundo o coordenador, também encontra-se sob análise da Secretaria de Desenvolvimento Econômico um Plano Estadual do PETI com ações para atender as diferentes demandas estratégicas no estado como um todo. O Plano deverá seguir para manifestação do CONDECA e CONSEAS. E por fim, para apreciação da Secretaria de Governo para publicação. 

“Outra questão social similar ao trabalho infantil é a de crianças e adolescentes em situação de rua. Seguimos com discussões com os gestores municipais do CONGEMAS para oferta de serviço de abordagem especializado e encaminhamento”, relata o coordenador, que atualmente também responde pela Comissão Estadual do PETI.

“Hoje a linha do trem Rubi aumentou, mas a gente ainda não deu conta de aumentar a articulação. O que a gente está fazendo é um movimento revolucionário porque o recâmbio entre cidades de crianças e adolescentes é um nó nacional. A ideia agora é que vire uma resolução e diretriz oficial no funcionamento desses casos”, completa Helena.

Leia mais: O que é trabalho infantil em espaços privados de uso coletivo? – Criança Livre de trabalho infantil no Terminal Barra Funda

Agravamento com a pandemia

Apesar de não haver dados oficiais sobre o número de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil dentro dos transportes, é visível o aumento desse público não só nas estações de trem, mas em outros espaços privados de uso coletivo, como supermercados, shoppigns, aeroportos e terminais rodoviários.

“Nosso maior desafio é o destino final da criança ou do adolescente, abaixo dos 14 anos, que tem o direito de ir e vir, mas pode estar sendo explorado por um adulto ou, sozinho, se colocando em risco. A situação da vulnerabilidade e do desemprego têm empurrado mais meninas e meninos para o trabalho infantil e a pandemia, nos últimos dois anos, agravou essa indíce”, relata o professor Marcelo Nascimento, do Fórum Paulista de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FPPETI). 

“Não adianta investir em segurança, principalmente nessa modalidade de crianças e adolescentes que flutuam entre os municípios. Nós só vamos combater o trabalho infantil com integração e referenciamento de toda a rede, além de acolhimento para mudar essa realidade”, complementa.

Em nota, a CPTM informa que integram a política de atuação ações de conscientização e combate ao trabalho infantil nas estações e trens de suas cinco linhas. A companhia afirma que realiza de forma permanente campanhas que alertam os passageiros para a proibição do trabalho infantil com cartazes e mensagens sonoras. Reforça ainda que as equipes de atendimento e de segurança de estações e trens recebem treinamentos de como preceder em casos de trabalho infantil e que possuem os contatos dos conselhos tutelares das regiões próximas às estações para agilizar o atendimento.

Chega de Trabalho Infantil no Terminal Barra Funda

A Cidade Escola Aprendiz, com o financiamento do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (FUMCAD) e apoio do Conselho Municipal de Criança e Adolescente (CMDCA), disponibiliza uma Equipe Social no Terminal Rodoviário, com o objetivo de acompanhar crianças e adolescentes que necessitam de atendimento socioassistencial. Em seguida, em parceria com a Secretaria Municipal da Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), as famílias devem ser identificadas, com o objetivo de encaminhá-las para programas e projetos de proteção social existentes. 

A metodologia utilizada foi criada em 2018 – em uma parceria entre a Cidade Escola Aprendiz, a SMADS e o Shopping Metrô Santa Cruz – primeiro local de implementação da metodologia Chega de Trabalho Infantil nos Shoppings Centers. 

A iniciativa inspirou o Programa Cidade Protetora, da Prefeitura de São Paulo, para o enfrentamento ao trabalho infantil em espaços privados de uso coletivo – como shoppings. Em 2023, o programa atuará também com foco no transporte público.

Entre as ações que compõem o Cidade Protetora, está um selo de certificação àquelas que contratem profissionais dedicados ao atendimento social de criança e adolescente em seus espaços, formação para as equipes de segurança e desenvolvimento de campanhas, além de uma articulação direta com a rede de proteção da Prefeitura de São Paulo.

Em agosto e dezembro de 2022, o Fórum Paulista de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FPPETI) promoveu reuniões para abordar o trabalho infantil no transporte coletivo e os caminhos para o enfrentamento. 

Realizados na Assembleia Legislativa de São Paulo, os encontros contaram com a participação de diversos atores, como membros do fórum, representantes da companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo (EMTU) e da Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô).

Para Marcelo Nascimento, o FPPETI tem uma atribuição estratégica nesse momento de transição de governo, somado à crise sanitária que ampliou a vulnerabilidade das famílias e aumentou a evasão escolar.

“O Fórum tem essa premissa de promover o debate com todos os atores e criar instrumentos de mobilização para incentivar novas políticas públicas e promover uma atuação mais forte junto aos municípios. O enfrentamento e a prevenção do trabalho infantil precisa estar na agenda diária do CMDCA e dos gestores para garantir com respeito e  garantia de direitos humanos de crianças e adolescentes”, conclui o professor.

 Leia mais: Ações conjuntas como caminho para enfrentar o trabalho infantil nos transportes coletivos

 

Boas práticas em Franco da Rocha

Para além do grupo criado com a linha Rubi, a Comissão Municipal de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil- CMETI atua em ações de combate e erradição do trabalho infantil no município.

“Nesse tempo de trabalho focamos em capacitar a rede municipal. Já fizemos ações com professores, agentes comunitários, profissionais da área de saúde, dentre outros, tentando mudar um pouco o olhar do município para o trabalho infantil.”

Outra iniciativa foi a realização de uma pesquisa com 18 escolas municipais em Franco da Rocha. Os alunos preencheram um questionário anônimo com o objetivo de levantar, de forma quantitativa, a situação de trabalho infantil, por meio de atividades domésticas ou ajuda nas profissões dos adultos da casa. A ideia era produzir dados para um diagnóstico que posteriormente seria usado nas ações de prevenção, conscientização e enfrentamento. As escolas participantes da pesquisa foram reconhecidas pelo Prêmio MPT na Escola

Helena conta ainda que o município conseguiu, em 2022, uma parceria com o CMDCA para um projeto de diagnóstico no município pago pelo FUMCAD. “A CMETI de Franco da Rocha é muito ativa e dentro dos poucos recursos que temos, tentamos mobilizar o máximo possível”, conclui.

Algumas dicas de como criar um grupo em sua região

  • Descubra uma questão ou problema em comum entre o seu município e outros vizinhos;
  • Organize reuniões periódicas para conhecerem o grupo, promover encontros, capacitações e iniciar as articulações;
  • Procure apoio de outros órgãos competentes como das Diretorias Regionais de Assistência e Desenvolvimento Social – DRADS e Conselhos Municipais  para oficializar o grupo e garantir que os atores envolvidos participem do processo.

 

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