18/04/2017|
Desenhos, música, peça de teatro e rodas de conversa que conscientizam. Já imaginou uma escola onde o debate sobre os direitos humanos está sempre presente? Um lugar onde crianças e adolescentes são livres para expor suas opiniões e realidades em diferentes atividades?
Pois é esse espaço que a professora de informática Débora Garofalo vem construindo na Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Almirante Ary Parreiras, localizada na Vila Babilônia, Zona Sul de São Paulo.
Na segunda-feira (17), o auditório da unidade de ensino serviu de palco para uma palestra sobre motivos e consequências do trabalho infantil.
Levar a grave violação de direitos para o debate foi ideia de Débora. Em uma de suas buscas por mais informações sobre os malefícios do trabalho precoce, ela encontrou a página da Rede Peteca – Chega de Trabalho Infantil no Facebook. Entrou em contato com a equipe do portal, que é parceiro do Ministério Público do Trabalho, para saber se seria possível ajudá-la na realização de um bate-papo com seus alunos.
O empenho da educadora deu certo: 153 alunos do 5º e 7º ano receberam a visita da procuradora do Trabalho Elisiane Santos, especialista dos direitos da infância no país, para a roda de conversa.
Durante uma manhã de atividades, a turma conheceu um pouco mais sobre a realidade das crianças vítimas do trabalho infantil, que atinge mais de 2,6 milhões de meninos e meninas de 5 a 17 anos em todo o país.
Curiosidade e mobilização
– Alguém aqui sabe o que é trabalho infantil?, perguntou Elisiane.
– Eu sei, eu sei!, respondeu Marcos, de 10 anos, levantando as mãos. “Trabalho infantil é exploração da infância”, definiu o garoto, um dos mais participativos da plateia.
Com uma fala leve e objetiva, Elisiane apostou na cartilha “Brincar, estudar, viver… Trabalhar, só quando crescer” para atrair a atenção dos estudantes do 5º ano.
Envolvidos pelo tema, eles fizeram uma dinâmica de leitura: quatro alunos assumiram as vozes dos personagens da revistinha para falar sobre a exploração da infância.
Já na segunda apresentação, para as turmas do 7º ano, a procuradora exibiu vídeos explicativos com informações sobre os riscos do trabalho precoce e a Lei da Aprendizagem.
“Vou guardar muito bem essas informações”, conta Carolina, de 12 anos. “Achei muito interessante o momento em que ela [Elisiane] explicou sobre o jovem aprendiz. Espero que todas as crianças estudem, tenham um bom futuro e só comecem a trabalhar com a idade certa”, comenta a estudante.
Garantia de direitos
Você sabia? A expressão “sujeito de direitos” aparece primeiramente na Constituição Federal de 1988 e é referendada pelo Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) em 1990.
É necessário trazer informações novas e reforçar as que já existem. Precisamos fazer com que as crianças e os adolescentes se reconheçam como sujeitos de direitos”, defende Elisiane. “Eles precisam saber que os direitos estão previstos e existem pessoas e instituições que trabalham para que sejam garantidos.”
Ao final das palestras, alguns exemplares da cartilha ficaram na biblioteca e na sala de aula. Os alunos ganharam um estojo com lápis, régua e bloquinho de anotações.
“Eu gostei muito da atividade de hoje. Todas as pessoas têm que saber que o lugar da criança é na escola”, disse a sorridente Giovana, de 10 anos, sem desgrudar da cartilha que acabara de ganhar.
Construindo uma nova escola
Débora disse que lhe faltavam palavras para demonstrar a felicidade de conseguir realizar o encontro.
“Eu, como professora de informática, conto sempre com a presença da tecnologia nas aulas, para pesquisar temas que permeiam os direitos. No ano passado, falamos sobre cyberbullying e os direitos das mulheres. Neste ano, foi importante abordar a exploração do trabalho de crianças e adolescentes.”
Débora conta que a pesquisa sobre trabalho infantil começou por meio de textos e buscas de vídeos, materiais posteriormente levados aos estudantes, para que todos pudessem entender melhor a gravidade da temática – e, em conjunto, debater o que pode ser feito para combatê-la.
Tamanho foi o interesse da turma que a iniciativa ganhou diferentes formatos. Juntos, os alunos compuseram uma música e estão finalizando um um panfleto a ser distribuído para a comunidade.
E mais: Ana Clara, Bianca, Fabrício, Heloa, Lucas Barboni, Matheus e Matheus Reis, todos do 5º ano, encenaram uma peça de teatro sobre a gravidade do trabalho precoce, intitulada “Combate ao Trabalho Infantil”:
Com a pesquisa e a palestra, o pequeno Otávio, com seus 10 anos, diz não ter mais qualquer dúvida: “A doutora Elisiane mandou muito bem na explicação! Eu gostei muito da palestra, eu ajudei, foi muito legal e espero que todos tenham aprendido que o trabalho infantil é muito ruim. Crianças têm direito a estudar e a brincar.”
Apoio intersetorial
Outra figura que segue na luta pelos direitos dos alunos é Denise Pizzoni, diretora da EMEF. Para ela, “é obrigação das escolas trazer informação sobre o trabalho infantil, principalmente em áreas vulneráveis da cidade, onde, infelizmente, ainda existe uma falta de debates e discussões sobre as violações de direito.”
A escola, localizada em uma região com carências sociais, tem de defender o acesso à informação para os alunos e para as famílias. “Estamos em uma comunidade carente. As crianças precisam ter acesso a todo tipo de conhecimento. O fato de eles entenderem que o trabalho infantil traz inúmeras situações de risco é um ponto de partida para mudar uma realidade que faz parte da vida de muitos que estão aqui dentro”, afirma a diretora.
Ainda de acordo com Denise, a escola é um lugar para o debate. “E o lugar da criança é na escola”, enfatiza, ao afirmar que todas elas devem conhecer os direitos para defendê-los.
“Existem famílias com renda baixa, que, infelizmente, não escolheram colocar o filho para trabalhar. Nossa obrigação é orientar pedagogicamente nossos alunos”, assegura a diretora.