“Queremos usar a história de Malala para mudar uma cultura”, diz Shiza Shahid, fundadora da Malala Fund

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24/05/2017|

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Shiza Shahid. Crédito: Youtube

Assim como muitos casais paquistaneses, os pais de Shiza Shahid, de 27 anos, fundadora da Malala Fund, se conheceram apenas no dia do próprio casamento. A tradição, no entanto, não impediu que a filha fosse criada de forma diferente em comparação à maioria das meninas do país.

Ela teve acesso à educação, o que resultou em sua graduação em Stanford, na Califórnia, Estados Unidos. Durante a faculdade, de 2007 a 2011, a militante acompanhou as crescentes tensões em seu país, causadas pelo terrorismo.

Nunca duvide que um pequeno grupo de cidadãos pode mudar o mundo. Na verdade, é isso que pode mudar o mundo.

Entre tantas más notícias, uma chamou a atenção: Mingora, a maior cidade do Vale do Swat, região montanhosa e tribal a noroeste do Paquistão e próxima à fronteira com o Afeganistão, havia sido tomada por um grupo ligado ao Taleban, que declarou que as meninas não poderiam mais ir à escola.

Segundo Shiza, os jornalistas não conseguiam acessar a remota região, e por isso os militares e políticos pouco sabiam a respeito das condições em que vivia a comunidade.

Na intenção de dar visibilidade ao que ocorria, a militante social criou um campus de verão, durante suas férias escolares, onde as meninas contavam suas histórias para que políticos e militares pudessem ouvi-las e assim realizarem mudanças.

Malala Yousafzai era uma delas. Aos 12 anos, a menina já se destacava e dizia que queria ser presidente. Aos poucos ela foi ocupando uma posição de liderança no grupo.

Malala. Crédito: Agência Brasil/Simon Davis – DFID

Com o fim das férias, Shiza passou a monitorar o programa a partir dos Estados Unidos. O que ela não imaginava é que três anos depois receberia uma mensagem que mudaria o curso de sua vida e também da história: aos 15 anos, a grande voz das meninas foi alvejada a tiros no rosto, enquanto ia para a escola. O terrível ato atraiu holofotes do mundo inteiro para as atrocidades que ocorriam na região. Em 2014, Malala se tornou Prêmio Nobel da Paz.

O resultado disso tudo foi a criação da Malala Fund – uma organização que defende o acesso de meninas à escola. Saiba um pouco mais sobre essa história a partir do depoimento de Shiza Shahid, no evento Great Place do Work (Melhor Lugares para Trabalhar), realizado no último dia 9, em São Paulo.

Sobre ser menina

No meu país, as mulheres são suscetíveis a serem vistas como mais agressivas. Por isso muitas vezes elas não falam o que pensam. Quando eu era criança, enfrentei muitas barreiras, porque o patriarcado é muito forte no Paquistão. Meus pais jamais imaginariam que um dia estaria aqui.

Tudo indicava que hoje eu estaria vivendo em uma vila no Paquistão, mas eu me graduei em Stanford. Meu pai perdeu o pai quando tinha 9 anos de idade. Minha mãe é de família muito tradicional. Eles se conheceram no dia do casamento deles. Eles se tornaram parceiros e deram educação aos filhos, mas eu sabia que as coisas não seriam fáceis.

Ação

Quando fiquei mais velha, comecei a perceber o terrorismo e ataques suicidas se aproximando da minha casa. Fui conhecer as comunidades no meu país. Trabalhei em programas de apoio a mulheres, para elas saírem da pobreza. Empoderando as mulheres, eu percebi que elas investiriam o dinheiro na família e as crianças continuariam na escola, diferente dos homens. Se houvesse uma bala de prata para tirar as famílias da pobreza seria isso.

É muito difícil ser mulher em algumas culturas. Ser mulher é viver em meio a contradições e injustiças. Eu olhava adiante e mesmo assim continuava com visão estreita.

Faculdade

Quando eu tinha 17 anos, comecei a me matricular nas faculdades. Não tinha recursos e tentei diversos locais. Eu consegui uma bolsa integral em Standford. Cheguei ao Vale do Silício, cercada de grandes empresas, como o Google.

Eu pensei: será que podemos usar essa tecnologia para desafios mais fortes, como educação e saúde? Fiquei obcecada para trazer a tecnologia das organizações financeiras para ONGs.

Más notícias

Enquanto morava nos Estados Unidos, as coisas ficaram cada vez piores no meu país. Fiquei na expectativa de receber más notícias, mas uma me chamou atenção. Uma cidade havia sido tomada por um grupo ligado ao Taleban. Eles declararam que as meninas não poderiam mais ir à escola.

A região era muito remota e os jornalistas não conseguiam acessar. Pensei que precisava fazer algo para ajuda-los. Decidi organizar um campus de verão, onde as meninas poderiam contar suas histórias para que políticos e militares pudessem ouvir e mudar a situação delas.

Enfim, Malala

Entre as meninas do grupo, estava Malala Yousafzai. Aos 12 anos, ela já dizia que queria ser presidente. Havia sofrido muito com o Taleban, mas após a interferência do governo, as meninas conseguiram voltar à escola.

Jamais poderia imaginar que aquela criança que fortaleci se tornaria Prêmio Nobel da Paz. Nunca duvide que um pequeno grupo de cidadãos pode mudar o mundo. Na verdade, é isso que pode mudar o mundo.

Após finalizar meu projeto no verão, segui para Standford e continuei monitorando as meninas. Fui contratada por uma grande consultoria de negócios e estava muito animada. Eu passaria três anos em um incrível treinamento e faria um trabalho de impacto, até que recebi uma mensagem dizendo: Malala foi baleada.

Tudo mudou

Quando soube que deram um tiro na cabeça de Malala, fiquei devastada. Estava no Egito e retornei imediatamente ao Paquistão. Recebemos suporte do mundo todo.

Por um milagre, Malala sobreviveu e não teve sequela, mas o mundo dela estava de ponta cabeça. Eu sabia que ela havia passado por um terrível ato de violência, mas que estava com novo potencial.

Eu precisava tomar uma decisão. Eu ficaria com Malala e abandonaria meu emprego ou voltaria para os Estados Unidos. Decidi ficar e criei um movimento com Malala para levar crianças à escola, por dois anos. Sem educação elas ficam presas a um ciclo de pobreza. Levamos a nossa palavra ao mundo, angariando recursos para a educação.

A importância da escolaridade

Começamos a atuar na defesa da educação de meninas. Acompanhamos fatos terríveis, como um grupo de 300 meninas que foram sequestradas no norte da Nigéria, por um grupo terrorista. Quando descobrimos, sequer o governo sabia, mas infelizmente apenas 30 meninas foram recuperadas.

Em 2 anos e meio, publicamos dois livros e produzimos um documentário, por meio da Malala Fund, uma instituição sem fins lucrativos. Em 2014, Malala ganhou o Prêmio Nobel da Paz, ao lado de Kailash Satyarthi, um indiano que passou a vida lutando contra o abuso de crianças.

O fato é que há muitos estereótipos, como meninas usando hijab, mas tudo pode mudar se elas tiverem educação. Queremos usar a inspiradora história de Malala para mudar uma cultura.

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