26/10/2018|
Por Bruna Ribeiro
Na semana da São Paulo Fashion Week, a Rede Peteca – Chega de Trabalho Infantil realiza uma campanha de combate ao trabalho infantil na indústria da moda. De cara, logo pensamos nas crianças e adolescentes explorados nas oficinas de costura pela cidade. Mas e o trabalho infantil artístico na moda?
Nas passarelas e nos catálogos de moda, crianças e adolescentes trabalham, muitas vezes de forma desprotegida e irregular. Em entrevista à plataforma, Evaristo Pizzi, Presidente do Sindicato dos Manequins, Modelos e Recepcionistas em Eventos do Rio Grande do Sul, disse que muitas vezes o trabalho sequer é pago, com a ilusão de que seria uma “oportunidade de ficar conhecido”.
“No caso do trabalho infantil artístico, o que mais se explora é o sonho de ser artista. Muitas empresas buscam crianças e adolescentes em shoppings, escolas e nas ruas, para vender o sonho, sendo que 99% é enganação. O mercado explora as crianças”, contou Pizzi. Confira trechos da conversa:
Como o senhor avalia o trabalho infantil artístico na indústria da moda?
Quando assumi o Sindicato, em 2007, eu me perguntava por que crianças e adolescentes trabalhavam como modelos, se a legislação brasileira proíbe o trabalho para menores de 16 anos. Cheguei à conclusão que muitas pessoas não consideram a atividade um trabalho, mas isso é totalmente equivocado.
A gente não discorda do trabalho infantil artístico em si, mas da exploração, pois percebemos que a maioria está na informalidade. Temos conhecimento de grandes marcas que contam com a participação de crianças e adolescentes em catálogos e desfiles, mas sequer remuneram. Muitas vezes, inclusive, a família precisa pagar para participar.
Desfilar e fotografar não pode ser visto como uma oportunidade, mas sim como um trabalho, pois no momento em que a criança está lá, ela está cumprindo horário, divulgando uma marca ou produto, ao lado de adultos que ganham para executar a mesma função.
Qual é a atuação do Sindicato nesses casos?
Em 2008, eu procurei o Ministério Público do Trabalho (MPT). Realizamos diversas reuniões, audiências e plenárias do Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil do Rio Grande do Sul, discutindo o trabalho infantil artístico.
Mas infelizmente a fiscalização não é realizada como deveria. O fato existe e simplesmente a criança não está regulamentada. Nós, como entidade de trabalhadores, podemos ser consultados pela autoridade competente, que autorizaria o trabalho de forma excepcional, eventual e individual.
Quem é a autoridade competente no Brasil?
Sempre houve um debate a respeito disso. Havia o questionamento sobre se a decisão deveria ser da Justiça Comum ou da Justiça do Trabalho. Mas em setembro deste ano, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o alvará de autorização para o trabalho de crianças e adolescentes artistas é dado pela Justiça Comum.
A meu ver a decisão é um grande prejuízo para a infância e adolescência e para todas as entidades que atuam nesse campo. Não foram estipulados critérios para que essa autorização seja realizada. Temos recebido muitos alvarás em que o juiz autoriza de forma coletiva, diversas crianças a trabalharem em determinada ação, o que é irregular, pois a autorização deve ser individual e eventual.
Qual é o papel do Sindicato neste contexto?
É de acompanhar os contratos, as negociações e todo o processo de contratação. Nós, por exemplo, temos uma notificação recomendatória por parte do MPT do Rio Grande do Sul, recomendando que 50% do cachê deve ser depositado na conta-poupança da criança ou do adolescente. É preciso sempre verificar se tal norma foi cumprida.
Também verificamos se as condições de trabalho não são insalubres, se o horário está sendo respeitado e se a criança não está sofrendo pressão psicológica. Mas para isso é preciso que haja critérios determinados.
Sabemos que o trabalho infantil artístico é necessário e não estamos dizendo que deve ser proibido, mas precisa ser regulamentado e protegido. Se a atividade é desenvolvida sob proteção, não gera nenhum prejuízo.
Aqui no Rio Grande do Sul, nós criamos o Cadastro Especial de Criança e Adolescente Artista (CECA). Nós preparamos as crianças e os pais, passando informações sobre o mercado de trabalho e realizando treinamentos, sem custo nenhum, além de revisar os contratos. Como eles precisam desse cadastro para trabalhar, conseguimos acompanhar o caminho de todos, se estão continuando na área ou não.
E como esse mercado de trabalho costuma funcionar?
No caso do trabalho infantil artístico, o que mais se explora é o sonho de ser artista. Muitas empresas buscam crianças e adolescentes em shoppings, escolas e nas ruas, para vender o sonho, sendo que 90% é enganação.
Pode ser que uma entre 5 mil consiga chegar lá, mas a maioria sai frustrada. O mercado explora as crianças. Já soube de pais que venderam móveis de casa para conseguirem colocar o filho em uma produtora.
As pessoas gastam com material fotográfico, curso e viagens, mas depois não conseguem trabalho. As empresas não dizem isso no papel, mas iludem as famílias na abordagem, quando dizem que a criança ou o adolescente vão ficar famosos e desfilar em Paris e Milão. Um grande problema que temos de combater é a pilantragem nessas produtoras que fazem o casting. Estamos falando de um mercado deficitário de fiscalização.