66,7% das crianças e adolescentes em situação de rua são vítimas do trabalho infantil em São Paulo

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17/08/2022|

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O Censo de Crianças e Adolescentes em situação de rua, realizado pela Prefeitura de São Paulo, identificou 3,7 mil crianças e adolescentes em situação de rua no município. Do total, 66,7% são vítimas do trabalho infantil, sendo 4,7% em atividades consideradas gravíssimas, como venda de produtos ilícitos e exploração sexual. O levantamento foi realizado após quinze anos sem nenhum levantamento sobre este grupo na cidade.

Do total de crianças e adolescentes, 10,7% passavam a noite na rua, 16,2% estavam acolhidos e 73,1% estavam submetidos a outras trajetórias de risco.

Em relação ao sexo biológico, 38,7% são do sexo feminino, 59,2% são do sexo masculino e 2,1% não soube ou não quis informar. No recorte de faixa etária, 30,6% das crianças têm até os 6 anos, 27,1% têm de 7 a 11 anos e 42% têm de 12 a 17 anos.

Em relação às regiões com maior presença de crianças e adolescentes em situação de rua, destaca-se a região central, com os distritos da República (8,2%), Sé (5,4%) e Santa Cecília (5,%), seguidos de Tatuapé (4,3%) e Pinheiros (4%).

Para Ariel de Castro Alves, advogado e presidente da Comissão de Adoção e Convivência Familiar de Crianças e Adolescentes da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo  (OAB-SP), a sociedade não pode aceitar a criminalização da pobreza.

“Quando vejo 1.151 crianças com menos de seis anos em situação de rua, penso: Como uma criança com menos de seis anos de idade vai viver na rua? Isso deve gerar uma indignação monstruosa dentro de nós. Isso é inaceitável. Em locais civilizados, quando aparece uma criança em situação de abandono perambulando pelas ruas sozinhas, tudo para, o comércio para, as pessoas que estão andando pela rua param, porque não é aceitável que isso aconteça, mas nós tratamos isso como normal. Todos nós somos responsáveis por isso: família, Estado e sociedade”, disse o advogado.

 

Trabalho Infantil

Em relação às formas de trabalho infantil, 52,3% realizam a venda de produtos, como pano de prato, balas e doces; 46,1% praticam a mendicância; 5,9% trabalham na coleta de reciclagem; 3,2% como malabares; 2,9% com rodinho nos faróis; 3,2% como guardadores de carro; 2,3% na entrega de panfletos e 0.7% como engraxates.

O censo reconhece a mendicância como uma forma de trabalho infantil, em consonância com o Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) reconhece como tal atividades para sobrevivência, remuneradas ou não, realizadas por crianças e adolescentes abaixo da idade mínima permitida pela lei.

Segundo a Lista TIP (Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil), da Organização Internacional do Trabalho, o trabalho infantil nas ruas expõe as crianças e os adolescentes a prováveis riscos ocupacionais, como exposição à violência, drogas, assédio sexual e tráfico de pessoas; à radiação solar, chuva e frio; acidentes de trânsito e atropelamento.

Além disso, há impactos psicológicos e educacionais, causando traumas para a vida toda. A criança e o adolescente em situação de e na rua estão desprotegidos e a aprendizagem é prejudicada, pela infrequência ou exclusão escolar, condenando-os à reprodução do ciclo da pobreza.

O censo levantou também “atividades geradoras de renda gravíssimas”. Nesse recorte, 70,1% de crianças e adolescentes vendiam produtos ilícitos; 23,8% praticavam roubo ou furto e 8,8% eram submetidos à exploração sexual e comercial. Do total, 41% estavam acompanhados por adultos.

Recorte racial

O censo mostra ainda que 71,6% das crianças e adolescentes se consideram pretos ou pardos. O trabalho infantil na atualidade tem relação com o racismo estrutural presente em nossa sociedade.

A escravização negra no Brasil durou mais de 350 anos e as crianças foram exploradas como mão de obra doméstica e rural, impactando a garantia de direitos dessa população até hoje. Soma-se a isso, a ausência de medidas eficazes de reparação e políticas públicas capazes de transformar essa realidade.

Famílias em situação de rua

Segundo Carlos Bezerra Júnior, secretário da Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo (SMADS), um dos dados que chamou atenção no censo geral da população em situação de rua na cidade, publicado em janeiro deste ano, foi o aumento de 111% da presença de famílias e de pessoas que relatam ter vínculos familiares em situação de rua, saltando de 2.500  para 5.100 pessoas que responderam positivamente à pergunta

No censo geral, entre 2019 e 2021, o aumento da população em situação de rua foi de 31%, o que equivale a 7540 mil novas pessoas nessa condição. “Com um aumento como esse, não apenas pelo aumento do censo, mas pela própria percepção visual, constatamos a necessidade da realização de um censo que nos mostrasse a situação real das crianças e dos adolescentes em situação de rua em nossa cidade. Além disso, não há melhor maneira de se fazer política pública apropriada do que a partir de dados precisos”, diz o secretário.

Metodologia

Crédito: Tiago Queiroz

Maria Helena Provenzano, diretora de Projetos Painel Pesquisas e Consultoria e coordenadora geral da pesquisa, explica que a metodologia da pesquisa partiu da resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que define quem é criança e adolescente em situação de rua.

“É justamente compreendendo esse conceito que a pesquisa foi pensada e estruturada. As crianças e os adolescentes em situação de rua são sujeitos em desenvolvimento, com  direitos violados, que utilizam logradouros públicos, áreas degradas como espaço de moradia ou sobrevivência de forma permanente ou intermitente, em situação de vulnerabilidade ou risco social. A situação de rua pode ser transitória. Hora a criança está e hora não está, mas independentemente disso, quando está em situação de rua, está exposta aos riscos”, conclui Maria Helena.

De acordo com Carolina Nakagawa, coordenadora da Coordenadoria do Observatório da Vigilância Socioassistencial, da SMADS (COVS-SMADS), a pesquisa compreendeu a cobertura total do território da cidade e adotou a abordagem direta, permitindo que a criança e o adolescente respondam por eles mesmos.

“Lógico que, na faixa etária 0 a 5 anos, o adulto que acompanhava a criança mediava a conversa, mas entendemos como fundamental a abordagem direta e não a atribuição das respostas para os demais grupos etários”, explica.

Ainda segundo Carolina, foi construído um quadro de referência, ouvindo agentes públicos, como profissionais da assistência e da saúde, além de cidadãos, como comerciantes, para se construir uma percepção a respeito das regiões da cidade. Foi aplicado um questionário mais detalhado, visando a segunda fase da pesquisa, com foco no perfil amostral. Os dados divulgados são referentes à fase censitária da pesquisa.

João Jeronymo de Aquino Neto, gerente de projetos na Painel Pesquisas e Consultoria e coordenador da pesquisa, ressalta a diversidade na composição da equipe de pesquisadores. “Existem aspectos metodológicos, mas também questões subjetivas na hora de executar a pesquisa e levamos isso em consideração na hora de compor a equipe de pesquisadores, a partir da multiplicidade de formação e também das diferentes trajetórias de vida. Após o fim do terceiro itinerário de campo, as entrevistas amostrais, entraremos no quarto e último itinerário que será a realização dos grupos focais”, explica.

Ainda segundo João, na quarta etapa serão ouvidas mães em situação de rua, gestores de Serviço Especializado de Abordagem Social (SEAS), integrantes de movimentos sociais, além de representantes de instituições sociais com notória contribuição junto a esse segmento populacional, no caso crianças e adolescentes em situação de rua.
“Deste modo apresentaremos diferentes olhares e narrativas que contribuirão para o viés qualitativo da pesquisa”, completa.

Propostas

De acordo com Carlos Bezerra Júnior, secretário da SMADS, diante desse quadro, o corpo técnico da secretaria desenha pilares de ação. “Com relação à proteção básica, estamos trabalhando para a implementação de novos Centros para Crianças e Adolescentes (CCAs), para realização de atividades no contraturno escolar, oferecendo proteção social a crianças e adolescentes por meio de desenvolvimento de suas potencialidades, protagonismo e cidadania. Além disso, a partir dos dados territoriais oferecidos pelo censo, estamos fazendo uma redistribuição da possibilidade de pelo menos 1.200 novas vagas para crianças e adolescentes nos CCAs”, diz o secretário.

Ainda segundo Carlos, o segundo ponto é a abordagem social, com abertura do SEAS específico para crianças e adolescentes no centro da cidade, com abordagem lúdica, especializada e escuta qualificada.

“O nosso desejo é, a partir desse modelo, também com o cruzamento dos dados sob os quais os técnicos estão debruçados, fazer a ampliação desses serviços. Por último, visamos a criação de núcleos de convivência para crianças e adolescentes, localizados nas áreas onde as crianças estão expostas. Já está prevista a abertura do primeiro núcleo, fruto de uma parceria contemplada pelo Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (FUMCAD), sendo executada pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania ( (SMDHC) no centro da cidade”, conclui.

Projeto de Lei 253/2021

O Projeto de Lei (PL) 253/2021 cria a Política Municipal de Atenção a Crianças e Adolescentes em Situação de Rua e na Rua. Em tramitação na Câmara Municipal, foi aprovado em primeira votação. Agora aguarda propostas de emendas dos vereadores para segunda e última votação. Se aprovado, segue para a sanção do Prefeito.

O PL visa, dentre outras coisas, criar três Núcleos de Atendimento à Crianças e Adolescentes no centro da cidade. Cada Núcleo será composto por três serviços especializados e integrados (Serviço Especializado em Abordagem Social à Criança e ao Adolescente; Serviço de Acolhimento Institucional e Centro de Referência Especializado para Crianças e Adolescentes). Essa Rede de Atendimento deverá ser implantada inicialmente na região central, respeitando as peculiaridades das crianças e adolescentes em situação de rua e na rua.

Portanto, a abordagem não seria realizada pelo SEAS misto, mas por profissionais especializados em crianças e adolescentes. Da mesma forma que o centro de referência seria um local com horário ampliado e diversos atendimentos socioeducativos e de alimentação, trata-se de um espaço de atendimento e convivência, que não se confunde com o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas).

Saiba mais sobre o PL neste link.

 

 

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