“A erradicação do trabalho infantil deve ser prioridade absoluta”, ressalta carta pública do Fórum Paulista

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14/06/2017|

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“Mas há outro mundo na barriga deste, esperando.
Que é um mundo diferente. Diferente e de parto difícil. Não nasce facilmente.
Mas com certeza pulsa no mundo em que estamos.”
Eduardo Galeano, poeta uruguaio

Em tempos de violações de direitos, há espaços que se firmam como referências no combate ao trabalho infantil. O Fórum Paulista de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FPPETI) é, certamente, um deles.

Na agenda dos atores do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, a primeira segunda-feira de cada mês está reservada para o debate no FPPETI, em São Paulo. Ao reunir representantes da esfera pública e da sociedade civil, o espaço se propõe a conscientizar e mobilizar os cidadãos por meio de boas práticas que possam ser replicadas, contribuindo assim para a erradicação do trabalho precoce.

Em alusão ao Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil, realizou-se nesta terça-feira, 13 de junho, o 1º Encontro Estadual do FPPETI. Durante o debate “Nenhum Direito a Menos”, que contou com a participação de um auditório lotado e atento, foi lançada a Carta de São Paulo.

Crédito: Roberto Balla/Facebook MPT-SP

Crédito: Roberto Balla/Facebook MPT-SP

“Nossa atuação é centrada em três eixos: educação, aprendizagem e políticas públicas”, afirma a procuradora Elisiane dos Santos, do MPT-SP, coordenadora da mesa de debates e porta-voz da leitura do documento. De acordo com Elisiane, a despeito dos retrocessos políticos pelos quais passamos, não devemos retroceder – e, sim, seguir na defesa plena dos direitos.

“Precisamos nos lembrar de que os direitos foram alcançados com lutas históricas, inclusive lutas das crianças e dos adolescentes. Em 1987, por exemplo, o Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua fez história e muitos direitos que estão na Constituição Federal hoje decorrem também da participação desses meninos”, ressaltou a procuradora durante a apresentação, ao mostrar a foto do movimento:

Passeata do Movimento Meninos e Meninas de Rua, em 1987 (Crédito: Reprodução/Oficina de Imagens)

Passeata do Movimento Meninos e Meninas de Rua, em 1987.  (Crédito: Reprodução/Oficina de Imagens)

Confira, abaixo, a íntegra da Carta Compromisso:

I ENCONTRO ESTADUAL DO FÓRUM PAULISTA DE PREVENÇÃO E ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL

CARTA DE SÃO PAULO

Os participantes do I Encontro Estadual do Fórum Paulista “Chega de Trabalho Infantil”, promovido pelo Fórum Paulista de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, reunidos em 13 de junho de 2017, no auditório do Ministério Público do Trabalho em São Paulo, reafirmam a convicção de que a erradicação do trabalho infantil, além de dever do Estado, que deve ser compartilhado com a família, a sociedade e a comunidade, é parte fundamental da proteção integral e prioridade absoluta que deve ser assegurada às crianças e adolescentes, de forma a efetivar os seus direitos fundamentais, dentre estes o direito à educação, saúde, alimentação, moradia, cultura, não violência, não exploração, a fim de que seja assegurado também o respeito a sua dignidade e a sua condição de pessoa peculiar condição de desenvolvimento, destacando-se:

1) O trabalho infantil retira a infância, causa danos irreparáveis ao desenvolvimento biopsicossocial de crianças e adolescentes, pessoas em peculiar condição de desenvolvimento, e aniquila o futuro daqueles que, despreparados, não terão condições de ingressar num mercado de trabalho cada vez mais competitivo, restando-lhes o trabalho precarizado, desemprego ou subemprego.

2) Muito embora a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD de 2015 aponte uma redução geral do trabalho infantil para 2.700.000 trabalhadores infantis, com idade entre 5 e 17 anos, é preocupante a elevação do trabalho infantil na faixa etária de 5 a 9 anos, durante três anos consecutivos, quando já deveria ter sido abolido o trabalho infantil nessa faixa etária.

3) Também é preocupante o cenário nacional, regional e local que aponta para redução de recursos orçamentários em políticas de proteção social, como cultura, alimentação, educação, com congelamento de investimentos nestes setores, que impactará negativamente nas ações de enfrentamento ao trabalho infantil.

4) Projetos de Lei que apontem para mudanças na legislação da aprendizagem, com a possibilidade de prevalência de negociação sobre a Lei que rege o tema, também se mostra como prejuízo grave e retrocesso social na inserção de adolescentes e jovens em programas de aprendizagem, importantes também para a própria empresa, na formação de seus quadros, bem como responsabilidade decorrente do princípio de sua função social e dos que regem a atividade econômica, dentre estes o objetivo de justiça social, tendo como valor o trabalho digno, não se admitindo qualquer redução de direitos sociais e na proteção da adolescência e juventude.

5) Os governos municipais, estaduais e federal devem regulamentar e implementar a aprendizagem profissional nos quadros da Administração Direta, possibilitando, assim, uma oportunidade para a qualificação profissional de adolescentes em situação de vulnerabilidade social, dando efetividade ao princípio da proteção integral e ao direito à profissionalização previsto no artigo 227 da CF.

6) Crianças e adolescentes merecem proteção integral e absolutamente prioritária em todas as áreas de proteção social (saúde, educação, cultura, lazer, esporte, moradia, profissionalização). Crises, econômicas, políticas ou de qualquer natureza, não autorizam o desrespeito a esses princípios constitucionais e legais, tampouco aos direitos fundamentais assegurados às crianças e adolescentes.

7)  É preciso combater a PEC 18/2011, bem como quaisquer outras que proponham ou venham a propor a redução da idade mínima para o trabalho, pois não se concebe retrocesso social. Da mesma forma em relação a PEC 171/93, que estabelece a redução da maioridade penal. São inconstitucionais e representam inegável afronta aos direitos humanos de pessoas em peculiar condição de desenvolvimento e à Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil.

8) As metas originariamente pactuadas pelo Estado brasileiro de eliminação das piores formas de trabalho infantil até 2016 e erradicação até 2020 não foram alcançadas, assim se faz necessário que os esforços sejam redobrados nessas ações, tanto no campo da proteção social, com ampliação das políticas e inserção das diferentes vulnerabilidades presentes no trabalho infantil, quanto no campo da profissionalização de adolescentes e jovens, conforme apontam os Relatórios Mundiais da OIT (2013 e 2015).

9) A nova meta, estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU), dentre os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) de abolição de todas as formas de trabalho infantil até 2025 deve ser cumprida. Não podemos aceitar nenhum retrocesso nos direitos conquistados, nem permitir redução de direitos sociais que impactarão gravemente nas políticas de enfrentamento do trabalho infantil.

10) O trabalho infantil é uma forma de violência praticada contra a criança e o adolescente. O Estado e a sociedade não podem se omitir diante do cenário de não garantia de direitos fundamentais a que são submetidas milhares de crianças e adolescentes.

11) O trabalho infantil nas ruas, o trabalho infantil doméstico, o trabalho em cadeias produtivas, assim como o trabalho em atividades ilícitas devem ser considerados em suas especificidades, nos Planos Municipais e Estaduais, levando em consideração as diferentes vulnerabilidades das populações atingidas, para a elaboração de políticas públicas que considerem critérios de gênero, raça, território, migrações, outros.

12) A violência contra a população de crianças e adolescentes em situação de rua exige a construção e efetivação de ações pelo Poder Público e mobilização de toda a sociedade. Não se pode omitir diante da situação de descaso e abandono que se encontram meninos e meninas em situação de rua nas grandes capitais e centros urbanos. Os Municípios devem realizar diagnóstico social e identificação das crianças em situação de rua, bem como em trabalho infantil nas ruas, com vistas ao seu planejamento e desenvolvimento de ações efetivas à proteção desta população vulnerável.

São Paulo, 13 de junho de 2017.

Que tal debater o trabalho infantil em sala de aula?

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