17/10/2017|
Por Redação
Por Bruna Ribeiro e Felipe Tau
*Atualizado em 19/10/17
O MPF (Ministério Público Federal), o MPT (Ministério Público do Trabalho) e ao menos um deputado se pronunciaram contra a portaria do Ministério do Trabalho que cria barreiras para a fiscalização do trabalho escravo no Brasil, dando ao ministro da pasta autoridade para decidir sobre a publicação ou não da lista das empresas flagradas com trabalhadores em condições análogas à escravidão.
A portaria Nº 1129/2017, publicada nessa segunda-feira (16) no Diário Oficial, restringe a definição de trabalho escravo, considerando escravo apenas as pessoas ameaçadas de castigo, vigilância armada, retenção de documentos pessoais e isolado geográfico.
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Além disso, a norma traz novas regras sobre a publicação da chamada Lista Suja, um cadastro público com nomes de empregadores que se valeram do trabalho escravo e que perderam os recursos administrativos em todas as instâncias. A partir de agora, a divulgação só poderá ocorrer por determinação expressa do ministro do Trabalho, o que antes era feito pela área técnica do ministério.
Em face dos novos obstáculos que cria para a fiscalização, segundo auditores e procuradores, o MPT e o MPF recomendaram a revogação imediata da portaria ao Ministério do Trabalho e Emprego. Um procedimento preparatório assinado pelos dois órgãos foi enviado nesta terça-feira (17) ao ministro do Trabalho Ronaldo Nogueira, com o propósito de apuar a “ilegalidade da portaria”, conforme consta no documento.
A recomendação aponta que a nova portaria fere o Código Penal, a Lei de Acesso à Informação, convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que condenou o Brasil recentemente por retrocessos na política de erradicação do trabalho análogo ao escravo. O Ministério do Trabalho tem dez dias para responder a solicitação.
Repercussão
O MPT afirmou em comunicado que tomará as providências cabíveis caso a nova portaria não seja suspensa. O procurador-geral do Trabalho em exercício, Luiz Eduardo Guimarães Bojart, alertou que a norma desconstrói a imagem de compromisso no combate ao trabalho escravo, conquistada internacionalmente pelo Brasil nos últimos anos.
“Ela reverte a expectativa para a construção de uma sociedade justa, digna e engajada com o trabalho decente. Vale reafirmar que o bom empresário não usa o trabalho escravo. A portaria atende apenas uma parcela pouca representativa do empresariado”, declarou.
Para o coordenador nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete), do MPT, Tiago Muniz Cavalcanti, a portaria viola tanto a legislação nacional, quanto compromissos internacionais firmados pelo Brasil.
“O governo está de mãos dadas com quem escraviza. Não bastasse a não publicação da lista suja, a falta de recursos para as fiscalizações, a demissão do chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae), agora o ministério edita uma portaria que afronta a legislação vigente e as convenções da OIT”.
Legislativo
Na Câmara, um Projeto de Decreto Legislativo (PDC) visa suspender as novas regras impostas pelo governo. Segundo fontes ouvidas pela Rede Peteca – Chega de Trabalho Infantil, deputados articulam para que o projeto seja votado em caráter de urgência em uma comissão mista, sem a necessidade de votação em plenário.
Na justificativa, a proposta, de autoria do deputado Roberto de Lucena (PV-SP), afirma que a nova portaria reduz o conceito de trabalho escravo, além de ir contra o que estabelece o artigo 149 do Código Penal.
Carlos Fernando da Silva Filho, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), explica que o projeto questiona um vício de legalidade presente na norma. “Pela via do PDC , os deputados e senadores podem solicitar a sustação de atos que exacerbaram os limites sobre os quais os ministros têm competência”, observou.
Em nota divulgada pelo Sinait, Carlos Silva afirma que a medida do governo tem o objetivo de enfraquecer a fiscalização e o combate ao trabalho escravo.
“A portaria condiciona a caracterização do trabalho escravo ao consentimento ou não do trabalhador e à privação do direito de ir e vir, o que nem sempre ocorre. Muitas vezes o trabalhador não vai embora por falta de opção ou por vergonha, porque acha que tem que saldar a dívida com o patrão, o que não significa que seu trabalho seja digno. Há muitos outros elementos presentes para comprovar a escravidão. O Ministério quer que voltemos ao conceito do Século XIX, de grilhões e correntes. Não vamos aceitar”, aponta Carlos Silva.
Histórico
A chamada Lista Suja começou a ser publicada pelo Ministério do Trabalho em 2003, mas foi suspensa em 2014 pelo Supremo Tribunal Federal, após a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) questionar sua legalidade.
Em maio de 2016, uma portaria da União voltou a disciplinar os critérios de inclusão e saída das empresas na lista, levando o STF a autorizá-la novamente no mesmo mês.
No entanto, o Ministério do Trabalho pediu mais prazo para publicar o documento, alegando lacunas na nova portaria. Segundo a pasta, as normas publicadas no último dia do governo da ex-presidente Dilma Rousseff tinham falhas. Em nota oficial, o ministério afirmou na ocasião que as regras haviam sido feitas “a toque de caixa”, sem garantir a ampla defesa dos envolvidos.
Ação na Justiça
Sem a publicação, teve início uma disputa judicial entre o Ministério Público do Trabalho do Distrito Federal (MPT-DF) e a Advocacia Geral da União (AGU), que defende o governo federal no processo.
Em 19 de dezembro de 2016, MPT-DF conseguiu uma liminar obrigando o governo a retomar a publicação do cadastro. Na ação civil pública proposta, o órgão apontou que o governo federal vinha há sete meses descumprindo a portaria da Lista Suja.
O governo teve nova derrota em audiência no dia 24 de janeiro deste ano, e o juiz não aceitou os argumentos da defesa, dando 30 dias para o Ministério do Trabalho publicar a lista.
No dia da expiração do prazo, Ives Gandra, do TST, concedeu liminar desobrigando o Ministério do Trabalho a divulgar o cadastro de empregadores. O recurso foi a primeira e única vitória do governo, que agora se vê obrigado a divulgar o cadastro de empregadores após a nova liminar.