07/07/2017|
Por Cecilia Garcia
Os números de trabalho análogo à escravidão e trabalho infantil no Brasil são elevados. Nos últimos 20 anos, foram resgatadas 52 mil pessoas em condições desumanas de trabalho, segundo dados recentes da Comissão Pastoral da Terra (CPT). O último levantamento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), por sua vez, mostra que existem 2,6 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos ocupadas, sendo 2 milhões na faixa entre 14 e 17 anos, trabalhando na área de serviços e comércio.
Já o número de punidos por casos de exploração da dignidade humana é inversamente proporcional à gravidade de seus crimes. São 459 inquéritos abertos contra pessoas suspeitas de submeter outras a escravidão, de acordo com a Câmara Criminal do Ministério Público Federal. Quanto à exploração do trabalho infantil, não há ninguém encarcerado, porque não há lei definindo essa violação como crime.
Em 1995, o então deputado Paulo Rocha (PT-PA) propôs a primeira proposta de emenda à Constituição referente ao trabalho escravo, pedindo a expropriação de terras nas quais fosse detectada essa violação. “Venho de um estado onde a ocorrência de trabalho escravo e trabalho infantil ainda é grande, principalmente no campo”. Hoje senador, Rocha é autor do PL 237/2016, que criminaliza o trabalho infantil.
O projeto de lei foi aprovado pelo Senado em fevereiro de 2017 e está em vias de ser enviado à Câmara dos Deputados, onde passará por nova votação. Se aprovado, segue para sanção presidencial.
Entenda o PL 237/2016
O projeto de lei prevê pena de 2 a 4 anos de prisão para quem contrata menores de 14 anos, além de multa correspondente. Em caso de trabalhos que figurem na Lista TIP de piores formas de trabalho infantil, a punição pode ser estendida até 8 anos. A pena também se aplica à contratação de adolescentes entre 14 e 17 anos que acontecerem em situações insalubres.
O projeto prevê dois casos em que as punições não se aplicam. No primeiro, diz que não haverá condenação em casos de trabalho infantil doméstico dentro do seio familiar e também no campo. Essa ressalva protege famílias de baixa renda. “Quando uma criança ajuda o pai a levar um saco de farinha, ou realiza alguma tarefa dentro de casa, ainda que haja consequências, essa não é uma relação de emprego. O objetivo da lei é endurecer a pena para quem opta por essa mão-de-obra na tentativa de baratear custos de produção”.
A segunda exceção é que não há crime na participação infanto-juvenil em atividades artísticas – como o trabalho de ator – práticas desportivas e também em concursos de beleza, desde não prejudiquem o desenvolvimento físico e emocional da criança e adolescente. As atividades precisam ser autorizadas por uma autoridade judiciária competente.
O senador está otimista com a recepção do projeto de lei na Câmara. “Houve um consenso no Senado, então esperamos uma repetição de cenário favorável”.
Para além do endurecimento da lei
O assessor da comissão de direitos humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Douglas Galiazzo, acredita que, embora seja importante criminalizar o trabalho infantil, a punição por si só não é suficiente. “A exploração do trabalho infantil é grave e não há dúvidas de que punições são necessárias, mas temos que discutir a eficácia de sua aplicação, caso contrário só estaremos enxugando gelo”.
Para Galiazzo, também professor de direito constitucional, existe grande chance dos responsáveis pela exploração de crianças e adolescentes cumprirem sua pena em regime aberto, a exemplo dos casos de trabalho análogo a escravidão, principalmente se forem réus primários: “Será que não é melhor investir em medidas de prestação de serviço ou formas de conscientização sobre consequências do trabalho infantil?”, questiona.
Para além de uma mudança na legislação, ele aposta em uma transformação da mentalidade da população brasileira, bem como na conscientização da ineficácia de um sistema penitenciário lotado e seletivo. “Como advogado, sei que boa parte das pessoas acredita que a prisão é a melhor solução. Mas quem é preso no Brasil? Uma mãe que furtou frango em uma padaria vai para a cadeia, mas um homem que lavou dinheiro público responde ao processo em liberdade. Então temos que pensar em alternativas que transformem como o brasileiro encara violações de direitos humanos”.