06/12/2018|
Por Bruna Ribeiro
Todos os dias, muitas crianças e adolescentes moradoras das regiões de M’Boi Mirim e Campo Limpo acordam cedo para trabalhar. Vão para os faróis, para as feiras ou até mesmo para o tráfico de drogas, em busca do sustento da casa. Mas na última sexta (30), o destino de onze famílias atendidas pelo PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) da região foi bem diferente.
Eles participaram de um passeio de encerramento do ano promovida pelo Serviço Especializado de Abordagem Social (SEAS), no Clube Esportivo Náutico Guarapiranga, no Jardim Ângela. Levados pelo ônibus da prefeitura, chegaram ao local às 10h e foram recebidos por um café da manhã preparado pela equipe da assistência. Piscina, brincadeira na grama, conversas e risadas. Depois churrasco para o almoço e mais brincadeira.
Aquele momento era também a celebração de muitas famílias, que estavam se desligando do programa. Uma delas era a família de Glória do Sacramento, de 47 anos. Glória começou a trabalhar aos 13 anos, como empregada doméstica, profissão que segue até hoje.
Mãe de seis filhos, reproduziu o ciclo do trabalho infantil com as suas crianças. Começou a receber apoio da assistência há mais de 15 anos, quando as duas filhas mais velhas foram encontradas trabalhando na feira. Hoje com 29 e 27 anos respectivamente, Juliana e Ana Paula tinham 12 e 10 anos na época.
O pai saiu de casa. Além de trabalhar, a mãe enfrentava problemas com o álcool. Por isso as meninas se tornaram responsáveis pela criação dos caçulas. Os anos se passaram, elas cresceram e engravidaram precocemente.
Quebra do ciclo
Ana Paula tem dois filhos, de 7 e 2 anos. Juliana tem três, de 5 meses, 4 e 10 anos. Apesar da gravidez na adolescência, elas são a primeira geração a romper o ciclo do trabalho infantil. As crianças estão todas na escola e em atividades no contraturno escolar.
O marido de Ana Paula era usuário e morreu depois de um tiro, quando o filho caçula tinha apenas sete meses. Até hoje não se sabe se foi da polícia ou do tráfico. Ana Paula não é a única mulher a criar os filhos sozinha.
Entre as famílias presentes na atividade, é comum encontrar famílias onde a mãe é a única responsável pela casa. Elas dizem que a vida fica difícil, falta emprego fixo e muitas vezes as crianças acabam trabalhando para complementar a renda.
Mas as irmãs sentiram na pele as consequências do trabalho infantil. Nenhuma das duas terminou os estudos e nem conseguiu se profissionalizar. Orientadas pela equipe do SEAS, elas protegem os filhos ao máximo do trabalho infantil e expressam o desejo de que eles estudem, brinquem e tenham uma profissão no futuro.
Para Caio Yudji, técnico psicólogo do SEAS da região do M´Boi Mirim, como os serviços são precários, além dos encaminhamentos que visam a garantia de direitos, busca-se um trabalho de conscientização. É o que a equipe está fazendo com a família de Josilene Campos, 51 anos.
Josilene adotou o sobrinho Wellington, de 15 anos, que morava no Maranhão. Com muitas dificuldades de sobrevivência e de relacionamento com a família, o garoto veio morar com a tia e começou a trabalhar nos faróis, vendendo paçoquinha.
Mudança cultural
Fora da escola, foi no farol que ele foi abordado pela assistência. “Eu tentava fazer inscrição na escola, mas só conseguia vagas muito longe de casa. As meninas da assistência conseguiram uma vaga para ele no nosso bairro, no supletivo”, contou a tia.
Wellington também está matriculado no CCJ (Centro Cultural da Juventude) da região, onde realiza atividades, como aulas de computação. Ele ainda vende nos faróis na hora do almoço, pelo período de 1h30, mas a equipe da assistência comemora a redução de danos e acredita que em breve o menino poderá sair totalmente das ruas e que, no futuro, as próximas gerações possam estar totalmente livres do trabalho infantil.
- Os nomes dos personagens foram trocados para preservar a identidade das fontes.